quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

ABI fez 100 anos, alguém notou?


Em 2008 se comemorou o centenário da Associação Brasileira de Imprensa, órgão que teve presença marcante em anos anteriores, na lutas pelas liberdades democráticas no país. Ao completar seu centenário, no entanto, a ABI se mostra uma entidade caduca e sem voz na sociedade.

Quando o Audálio Dantas assumiu o escritório de São Paulo, fui à solenidade de posse e fiquei contente imaginando que a capacidade intelectual e profissional do Audálio desse novo oxigênio à ABI. Na época cheguei a entrevistá-lo, por telefone, e ele parecia cheio de ideias e boas intenções. Ele chegou a tentar fazer algumas coisas, mas jogou a toalha no final do ano. Reproduzo, abaixo, entrevista concedida à revista Jornalistas e Cia, em dezembro, na qual justifica sua renúncia.


Esta entrevista foi realizada pela Revista Jornalista & Cia, pautada na renúncia de Audálio Dantas à Presidência da Representação São Paulo da ABI e à Vice-Presidência Nacional da instituição, decisão que foi acompanhada coletivamente pelo Conselho Consultivo que esteve com ele no período.
Jornalistas&Cia – Sua saída num período em que ainda se celebra o centenário da ABI tem, além dos motivos pessoais alegados em sua carta, algum outro sentido simbólico?
Audálio Dantas – Os motivos estão expostos no documento em que comunico a minha renúncia. Adiei ao máximo a minha decisão, em virtude da coincidência com a comemoração do centenário da ABI. Mas, em determinado momento me perguntei se havia coerência entre a celebração do centenário, um momento realmente importante, e o estado de coisas reinante na entidade. O que acontece hoje na ABI não é motivo de festa, mas de uma profunda reflexão sobre os caminhos que ela deve trilhar para, renovada, retomar a sua trajetória histórica. Espero que o meu gesto, assim como o do Conselho Consultivo da Representação de São Paulo, que renunciou coletivamente, contribua para essa retomada.
J&Cia – O que mais pesou na sua decisão?
Audálio – O solene desprezo do atual presidente pelos princípios que devem ser observados na condução de uma entidade da importância histórica da ABI. Como é possível que não se façam as reuniões de diretoria e as decisões sejam tomadas sem qualquer discussão? E como explicar que tal anomalia ocorra sem uma reação à altura? Por que não repercutiram os afastamentos de cinco diretores? Não é de se perguntar se as suas razões não são as mesmas que agora motivam a minha e a renúncia do Conselho Consultivo da representação de São Paulo?
J&Cia – Por que, na sua opinião, a ABI, que tem sede e estrutura no Rio, não conseguiu ainda deslanchar em São Paulo e nem se consolidar em outras regiões brasileiras?
Audálio – Na verdade, a única representação da ABI que conseguiu se consolidar foi a de São Paulo. Em outros Estados, três ou quatro, há os esforços individuais de alguns jornalistas. Mas por mais boa vontade que eles tenham não há bases sólidas para sua atuação. Não há o respaldo necessário, nem o apoio da ABI encastelada no Rio de Janeiro. E não há, sobretudo, condições que permitam, por exemplo, um trabalho eficaz de filiações. Além disso, como atrair associados no Ceará, por exemplo, se eles não podem exercer o direito de voto em seu Estado? Por que, até hoje, só os associados do Rio de Janeiro escolhem a diretoria de uma entidade que se pretende nacional? Não é aceitável que se faça uma eleição com o comparecimento de 100 votantes numa entidade dessa importância. E ainda se apresente esse fato como uma curiosa coincidência com as comemorações dos 100 anos da ABI, como vimos no jornal da entidade.
J&Cia – Sempre vinculado à defesa dos direitos humanos, da liberdade de imprensa, da democracia, quais os seus planos agora que se desligou oficialmente da ABI?
Audálio – Quando aceitei participar da direção da ABI considerei o papel histórico da entidade e as possibilidades que se ofereciam, naquele momento, de realização de um trabalho que não apenas prosseguisse, mas que fosse fortalecido no sentido do aperfeiçoamento democrático e da defesa dos direitos humanos, principalmente dos setores mais desprotegidos da nossa população. Se não há perseguição política, hoje, praticam-se os mesmos métodos da ditadura militar contra os pobres. Tortura-se impunemente nas delegacias de polícia, nas abordagens policiais nas favelas e na periferia das grandes cidades. Basta ver o que acontece nas favelas do Rio de Janeiro em nome do combate ao tráfico e à violência. Não tenho planos, mas não deixarei de lutar. Em qualquer espaço. Minha história é conhecida. Não usei nenhuma das entidades pelas quais passei para fazer carreira ou aparecer nas fotografias.
J&Cia – Talvez a mais reconhecida iniciativa vinculada ao centenário da ABI, o I Salão Nacional do Jornalista Escritor vai ter fim com a demissão coletiva ou vocês pretendem reeditá-lo sob os auspícios de outra instituição ou em outro formato?
Audálio – Não tenho dúvida em afirmar que o Salão Nacional do Jornalista Escritor foi a realização mais consistente e que realmente marcou as comemorações do centenário da ABI. Nossa proposta, mais de uma vez levada à presidência da ABI, era de que a segunda edição do evento se realizasse no Rio de Janeiro, ainda no ano do centenário. Nunca houve uma resposta, nem nada foi feito nesse sentido. Para a direção da ABI foi como se nada tivesse acontecido, apesar da enorme repercussão do evento. Como a direção da ABI nada fez para tocar a idéia para a frente, nada impede que ela seja desenvolvida futuramente por outra entidade.

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