terça-feira, 6 de novembro de 2018

A LEI DO BOI E A REFORMA DO ENSINO


No mês em que se celebra a consciência negra, em homenagem a Zumbi dos Palmares, o Brasil é assaltado pelo aumento do ódio racial, do preconceito e da perseguição a professores, sob o mote da “escola sem partido”. O governo que está por vir não quer uma escola que ensine a pensar, quer uma escola que diga o que as pessoas devem pensar.


No bojo desses ataques está a questão das cotas, essa “anomalia” contra a meritocracia racial. O que muitos desconhecem, no entanto, é que na ditadura militar também foi aprovada uma lei de cotas - com a diferença de que ela beneficiava brancos filhos de fazendeiros.
O projeto 5465/68, de autoria da deputada pernambucana Cristina Tavares (1934-1992) ficou conhecido como a Lei do Boi e só foi revogada em dezembro de 1985, após pressão popular por manter os privilégios de uma parcela da sociedade.
Diferentemente das leis de cotas, a lei do boi não atendia aos princípios de justiça reparatória e de busca de igualdade e justiça social, não se propunha a eliminar distorções sociais, pelo contrário, as aprofundava. 
A lei estabelecia:
Art. 1º. Os estabelecimentos de ensino médio agrícola e as escolas superiores de Agricultura e Veterinária, mantidos pela União, reservarão, anualmente, de preferência, de 50% (cinqüenta por cento) de suas vagas a candidatos agricultores ou filhos dêstes, proprietários ou não de terras, que residam com suas famílias na zona rural e 30% (trinta por cento) a agricultores ou filhos dêstes, proprietários ou não de terras, que residam em cidades ou vilas que não possuam estabelecimentos de ensino médio (clique aqui para conferir a íntegra da lei).
Reforma do ensino primário e secundário
Bem antes da Lei do Boi, o Decreto nº 1.331, de 17 de fevereiro de 1854, que instituía a reforma no ensino primário, estabelecia no parágrafo terceiro do artigo 69 a proibição aos escravos de frequentar a escola. A lista de artigos versava sobre diversos pontos, como as condições para alguém ser professor ou professora, a necessidade de demonstrar atestado de “moralidade”, a ser reconhecida pelo pároco local entre outras. Esse decreto foi escrito há 164 anos. Se os conceitos embutidos nele te parecerem “atuais” no Brasil protofascista você está com a sensação correta. Não é o decreto que é atual, é o país que regride aos tempos do escravagismo.  

Destaco a seguir alguns artigos do decreto, vale a leitura - os destaques negritos são meus (clique aqui para acessar a íntegra da lei):  


Condições para o magisterio publico; nomeação, demissão e vantagens dos professores
     Art. 12. Só podem exercer o magisterio publico os cidadãos brasileiros que provarem:
     1º Maioridade legal.
     2º Moralidade.
     3º Capacidade profissional.


Art. 14. A prova de moralidade será dada perante o mesmo Inspector, apresentando o candidato:
     1º Folhas corridas nos lugares onde haja residido nos tres annos mais proximos á data do seu requerimento:
     2º Attestações dos respectivos parochos.
     Não póde ser nomeado professor publico o individuo que tiver soffrido pena de galés ou accusação judicial de furto, roubo, estellionato, banca rota, rapto, incesto e adulterio, ou de outro qualquer crime que offenda a moral publica ou a Religião do Estado.

Art. 16. As professoras devem exhibir, de mais, se forem casadas, a certidão do seu casamento; se viuvas, a do obito de seus maridos; e se viverem separadas destes, a publica fórma da sentença que julgou a separação, para se avaliar o motivo que a originou.
     As solteiras só poderão exercer o magisterio publico tendo 25 annos completos de idade, salvo se ensinarem em casa de seus paes e estes forem de reconhecida moralidade.

CAPITULO III
Das escolas publicas; suas condições e regimen
     Art. 47. O ensino primario nas escolas publicas comprehende:
     A instrucção moral e religiosa,
     A leitura e escripta,
     As noções essenciaes da grammatica,
     Os principios elementares da arithmetica,
     O systema de pesos e medidas do municipio.
     Póde comprehender tambem:
     O desenvolvimento da arithmetica em suas applicações praticas,
     A leitura explicada dos Evangelhos e noticia da historia sagrada,
     Os elementos de historia e geographia, principalmente do Brasil,
     Os principios das sciencias physicas e da historia natural applicaveis aos usos da vida,
     A geometria elementar, agrimensura, desenho linear, noções de musica e exercicios de canto, gymnastica, e hum estudo mais desenvolvido do systema de pesos e medidas, não só do municipio da Côrte, como das provincias do Imperio, e das Nações com que o Brasil tem mais relações commerciaes.

Art. 50. Nas escolas para o sexo feminino, alêm dos objectos da primeira parte do Art. 47, se ensinarão bordados e trabalhos de agulha mais necessarios.

Art. 56. Nas escolas publicas só podem ser admittidos os livros autorisados competentemente.

Art. 69. Não serão admittidos á matricula, nem poderão frequentar as escolas:
     § 1º Os meninos que padecerem molestias contagiosas.
     § 2º Os que não tiverem sido vaccinados.
     § 3º Os escravos.


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