No mês em que se celebra a consciência negra, em homenagem a Zumbi dos Palmares, o Brasil é assaltado pelo aumento do ódio racial, do preconceito e da perseguição a professores, sob o mote da “escola sem partido”. O governo que está por vir não quer uma escola que ensine a pensar, quer uma escola que diga o que as pessoas devem pensar.
No bojo desses
ataques está a questão das cotas, essa “anomalia” contra a meritocracia racial. O que
muitos desconhecem, no entanto, é que na ditadura militar também foi aprovada
uma lei de cotas - com a diferença de que ela beneficiava brancos
filhos de fazendeiros.
O projeto 5465/68, de
autoria da deputada pernambucana Cristina Tavares (1934-1992) ficou conhecido
como a Lei do Boi e só foi revogada em dezembro de 1985, após pressão popular por manter
os privilégios de uma parcela da sociedade.
Diferentemente das
leis de cotas, a lei do boi não atendia aos princípios de justiça reparatória e
de busca de igualdade e justiça social, não se propunha a eliminar distorções
sociais, pelo contrário, as aprofundava.
A lei estabelecia:
Art. 1º. Os
estabelecimentos de ensino médio agrícola e as escolas superiores de
Agricultura e Veterinária, mantidos pela União, reservarão, anualmente, de
preferência, de 50% (cinqüenta por cento) de suas vagas a candidatos
agricultores ou filhos dêstes, proprietários ou não de terras, que residam com
suas famílias na zona rural e 30% (trinta por cento) a agricultores ou filhos
dêstes, proprietários ou não de terras, que residam em cidades ou vilas que não
possuam estabelecimentos de ensino médio (clique aqui para conferir a íntegra da lei).
Reforma
do ensino primário e secundário
Bem antes da Lei do Boi, o Decreto nº
1.331, de 17 de fevereiro de 1854, que instituía a reforma no ensino primário,
estabelecia no parágrafo terceiro do artigo 69 a proibição aos escravos de frequentar
a escola. A lista de artigos versava sobre diversos pontos, como as condições
para alguém ser professor ou professora, a necessidade de demonstrar atestado
de “moralidade”, a ser reconhecida pelo pároco local entre outras. Esse
decreto foi escrito há 164 anos. Se os conceitos embutidos nele te parecerem “atuais”
no Brasil protofascista você está com a sensação correta. Não é o decreto que é
atual, é o país que regride aos tempos do escravagismo.
Destaco a seguir alguns artigos do decreto, vale a
leitura - os destaques negritos são meus (clique aqui para acessar a íntegra da lei):
Condições para o
magisterio publico; nomeação, demissão e vantagens dos professores
Art. 12. Só podem exercer o
magisterio publico os cidadãos brasileiros que provarem:
1º Maioridade legal.
2º Moralidade.
3º Capacidade profissional.
Art. 14. A prova de moralidade será dada perante o
mesmo Inspector, apresentando o candidato:
1º Folhas corridas nos
lugares onde haja residido nos tres annos mais proximos á data do seu
requerimento:
2º Attestações dos
respectivos parochos.
Não póde ser nomeado
professor publico o individuo que tiver soffrido pena de galés ou accusação
judicial de furto, roubo, estellionato, banca rota, rapto, incesto e adulterio,
ou de outro qualquer crime que offenda a moral publica ou a Religião do Estado.
Art. 16. As professoras devem exhibir, de mais, se
forem casadas, a certidão do seu casamento; se viuvas, a do obito de seus
maridos; e se viverem separadas destes, a publica fórma da sentença que julgou
a separação, para se avaliar o motivo que a originou.
As solteiras só poderão
exercer o magisterio publico tendo 25 annos completos de idade, salvo se
ensinarem em casa de seus paes e estes forem de reconhecida moralidade.
CAPITULO III
Das escolas
publicas; suas condições e regimen
Art. 47. O ensino primario
nas escolas publicas comprehende:
A instrucção moral e
religiosa,
A leitura e escripta,
As noções essenciaes da
grammatica,
Os principios elementares
da arithmetica,
O systema de pesos e
medidas do municipio.
Póde comprehender tambem:
O desenvolvimento da
arithmetica em suas applicações praticas,
A leitura explicada dos
Evangelhos e noticia da historia sagrada,
Os elementos de historia e
geographia, principalmente do Brasil,
Os principios das sciencias
physicas e da historia natural applicaveis aos usos da vida,
A geometria elementar,
agrimensura, desenho linear, noções de musica e exercicios de canto,
gymnastica, e hum estudo mais desenvolvido do systema de pesos e medidas, não
só do municipio da Côrte, como das provincias do Imperio, e das Nações com que
o Brasil tem mais relações commerciaes.
Art. 50. Nas escolas para o sexo
feminino, alêm dos objectos da primeira parte do Art. 47, se ensinarão bordados
e trabalhos de agulha mais necessarios.
Art. 56. Nas escolas publicas só
podem ser admittidos os livros autorisados competentemente.
Art. 69. Não serão admittidos á matricula, nem poderão
frequentar as escolas:
§ 1º Os meninos que
padecerem molestias contagiosas.
§ 2º Os que não tiverem
sido vaccinados.
§ 3º Os escravos.
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