quinta-feira, 27 de outubro de 2016

A EXPERIÊNCIA DO VOCACIONAL E A PEC 241



O desastre anunciado que a PEC 241 irá causar na Educação, entre outros setores, a reação de grupos conservadores ao que se chama "escola sem partido", os recentes movimentos de ocupação nas escolas secundaristas reacende um debate que nunca deveria ter sido morno: que futuro se deseja para a Educação no Brasil?

A posição do atual governo golpista parece bastante clara ao propor mudanças no currículo escolar, asfixiar ainda mais a combalida escola pública, negar aos estudantes o direito do pensar diferente. 

Há pouco assisti a um documentário de Michael Moore sobre o sistema de ensino na Finlândia, considerado um dos mais avançados do planeta (confira aqui). Mesmo com a dramaticidade cômica de Moore, era evidente seu espanto diante da brutal diferença do sistema dos Estados Unidos, país do cineasta.

Ainda mais distante da realidade brasileira, condenada a décadas de atraso pelo voto de 359 deputados (Luiz Inácio falava em 300 picaretas, errou por pouco). A votação me fez lembrar um episódio do desenho Os Simpsons em que Bart está com os estudos muito defasados em relação aos demais alunos e é posto em uma sala com outros idiotas. Ali praticamente nada fazem e ele pergunta à professora: se nós estamos mais atrasados que os outros, como vamos alcançá-los indo mais devagar?

Essa parece, também, ser a lógica do governo golpista. Vamos pisar no freio da Educação para ver se chegamos junto com quem está muito à frente de nós... Faz sentido? 

Para mim, para você, para professores dedicados, pais e mães, com certeza não, mas para empresários de ensino, que lucram com a privatividade da Educação, faz todo sentido.


Experiência vocacional

O documentário de Michael Moore fez recordar meu próprio ensino, em São Caetano do Sul, no extinto projeto de Escolas Vocacionais. Muitos não devem ter nunca ouvido falar nisso. 

Tratou-se de um sistema experimental em algumas poucas escolas do Estado de São Paulo (leia aqui mais sobre o início do sistema). 

Basicamente, o projeto propunha o aprendizado de uma visão crítica da sociedade, práticas coletivas e muito debate sobre a realidade do país (em meio à ditadura militar). Os estudos não eram divididos por disciplinas, mas por áreas de conhecimento, a grade curricular abrangia aulas de educação artísticas, artes industriais, educação doméstica, filosofia etc. Na escola em que estudava, cada turma tinha um período vago (sem aula) para desfrutar de todo o prédio para si, enquanto outras turmas ficavam em sala de aula. Desfrutar era o termo certo: quem quisesse jogava bola, fazia exercícios, brincava de esconde esconde ou ficava em um lounge dançando e ouvindo música. Sem professor ou bedel para controlar. 

O sistema vocacional formou muita gente boa (apesar de exceções, como eu), crítica e socializada, até ser destruído pela ditadura. 

O documentário "Vocacional, uma aventura humana" me veio à mente assim que vi o filme de Michael Moore e uma pergunta até agora ainda paira por esta cabeça. O projeto das escolas vocacionais é dos anos 1960, foi sufocado pela ditadura no final da década. Se continuado, teríamos pelo menos uns 50 anos de acúmulo de um ensino transformador, público e gratuito. Como seria a cara deste país a partir de um ensino assim? 

A ditadura militar não nos deu oportunidade de saber. Assim como o governo golpista se prepara para romper outro ciclo, que timidamente se prenunciava. Parodiando Bart Simpson, como ir para frente andando para trás?          

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

O BRASIL CONDENADO A DÉCADAS DE ATRASO






“Quem não tem dinheiro não cursa universidade”, explicitou o deputado federal Nelson Marquezelli (PTB-SP) ao ser questionado sobre a PEC 241, que congela recursos que seriam investidos em Educação, Saúde e infraestrutura. 


Para quem ainda não entendeu. A PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 241, congela por 20 anos os investimentos públicos, ou seja, nada pode ser reajustado além da inflação do ano anterior. 
Se essa regra estivesse valendo desde 2003, a Educação (nos três níveis) teria tido uma redução de gastos no período de R$ 414 bilhões (de R$ 1,1 trilhão para R$ 686 bilhões) e a Saúde menos R$ 254 bilhões (de R$ 955 bi para R$ 701 bi).

FHC também promoveu cortes bilionários
Essa não é, entretanto, a primeira vez que setores que são função prioritária do Estado sofrem severos
cortes. Em 1998, no governo Fernando Henrique, o FMI (Fundo Monetário Internacional) exigiu um ajuste fiscal para aprovar a obtenção de um empréstimo de US$ 42 bilhões. 
De acordo com dados do Ministério da Fazenda, as despesas federais com Educação passaram de R$ 45,1 bi, em 1997, para R$ 25,4 bi em 1999, um efeito direto da subserviência ao FMI
Atualmente (antes da PEC), pela Constituição, a União deve destinar, no mínimo, 18% do que arrecada com impostos à Educação; os governos estaduais devem repassar 25% da arrecadação. Na Saúde, a parcela federal mínima é de 13,2% da Receita Corrente Líquida (RCL) em 2016. O número subiria até chegar a 15% em 2020. Estados e municípios repassam 12% e 15% da receita, respectivamente. Isso não vai mais acontecer.

Serviços essenciais ou commodity 
O Brasil pós golpe começa a inverter a tendência de se criar um Estado de bem-estar social (ainda muito distante do modelo europeu) para retornar a políticas neoliberais e promover novo ciclo de acúmulo acelerado de ganhos de capital. 
Segundo novos ideólogos da direita mundial, a privatização completa da Saúde, Educação, Previdência e outros serviços e direitos sociais servirá para ajudar países a sair da crise planetária do capitalismo. Dessa forma, por exemplo, Educação, deixaria de ser um processo de desenvolvimento intelectual e humano para se tornar uma commodity, um processo subordinado ao mercado. A reforma da Educação proposta pelo governo golpista caminha nessa direção. 

Royalties do pré-sal
Lembra daquele projeto para investir os royalties da exploração do pré-sal em Saúde e Educação? Esqueça. 
O PL 4567/16 já fez o serviço de retirar do Estado enorme quantia de recursos ao promover à iniciativa privada a operação dos campos do pré-sal. O PL 6726/13, que tramita na Câmara, prevê o fim da lei de partilha, concedendo ainda mais benesses ao capital privado.
Com a PEC 241, o fim da lei de partilha e o PL 4567 será impossível o país cumprir o compromisso de Plano Nacional de Educação; isso significa atrasar o desenvolvimento de milhões de crianças e jovens, comprometer o futuro de várias gerações e condenar o Brasil a décadas de atraso. 
Em vez de um emergente BRICs, o país caminha para voltar a ser uma colônia exportadora de matéria-prima, submissa a interesses internacionais; um país de mão de obra barata, sem direitos trabalhistas e com um judiciário a defender o capital; é o paraíso na terra para as multinacionais, que precisam de novos mercados para explorar sem as chatices de direitos trabalhistas como férias e licença-maternidade, licenças ambientais e outros entraves ao “moderno” capitalismo.      

domingo, 2 de outubro de 2016

O pendular voto paulistano




Ainda é cedo para analisar em toda a sua extensão a vitória de João Dória (PSDB) à prefeitura de São Paulo, mas alguns dados são relevantes para a reflexão do significado desta eleição.

Tradicionalmente, o voto paulistano é pendular. Mário Covas, prefeito em 1993, não elegeu sucessor. Fernando Henrique, que ainda se travestia de um certo centro democrático, foi derrotado por Jânio Quadros, candidato típico da atrasada direita paulistana (conto uma rápida história ao final deste artigo). Jânio foi sucedido por Luiza Erundina, então do PT. Na época não havia eleição em dois turnos e a campanha de Erundina "virou" nos últimos dez dias, derrotando o favorito Paulo Maluf. A administração de Erundina não fez sucessor e entregou a cidade para Maluf, que fez uma das mais privatistas gestões que a cidade já teve. Quem tiver interesse em conhecer mais sobre a administração Maluf sugiro ler Por trás da máscara, livro do qual sou coautor.