quinta-feira, 14 de julho de 2011

O DISCURSO E O TESÃO



Jovens do Brasil e de todo o planeta tomam as ruas como espaço de manifestação para as mais diversas causas, algumas que fazem torcer o nariz da esquerda tradicional. Utilizando as redes sociais e, com muita irreverência, redescobrem o prazer da luta. Texto Norian Segatto Foto Jesus Carlos





Cena 1: dia 25 de janeiro de 2011, centenas de milhares de manifestantes ocupam as ruas do Cairo, no Egito, para protestar contra o presidente Hosni Mubarak, no poder há 30 anos.
Cena 2: Dia 14 de maio, centenas de pessoas invadem as ruas de Higienópolis, bairro chique da cidade de São Paulo, em um bem humorado protesto contra a decisão do governo paulista de mudar o local da estação de metrô porque alguns moradores do bairro afirmaram que o meio de transporte atrairia “gente diferenciada” – eufemismo para “pobres” – para essa comunidade.
O que esses dois eventos, tão distantes geograficamente e de proporções e pretensões políticas têm em comum? Ambos foram convocados e organizados, principalmente, pelas redes sociais facebook e twitter sem a participação ativa de partidos políticos ou “lideranças” representativas; pelo contrário, a maioria dos manifestantes era composta de jovens sem vínculo partidário.
Usando o hashtag #Jan25 a sociedade egípcia deu ao mundo uma demonstração de como usar as redes sociais como panfleto eletrônico. Três dias depois daquele 25 de janeiro, Mubarak tentou cortar o acesso à internet e decretou toque de recolher. Em vão, após 18 dias de manifestações, o presidente-ditador deixou o poder em meio ao que foi chamado pela mídia de “primavera árabe”, e que se espalhou feito rastilho de pólvora pelo Oriente Médio.
Em São Paulo, após a manifestação em Higienópolis, o governo voltou a estudar a possibilidade de retornar e estação de metrô ao seu ponto original.



Indústria cultural
Quem andava pessimista com o poder de mobilização da juventude deve repensar seus conceitos. Muito antes da existência da internet, o filósofo canadense Marshall McLuhan cunhou a expressão “aldeia global”, vislumbrando uma rede de comunicação global voltada ao ensino. Nem mesmo esse visionário poderia imaginar sobre o potencial que estava por vir.
Menos otimistas que Mcluhan, os filósofos da Escola de Frankfurt (em especial Jürgen Habermas, Theodoro Adorno e Herbert Marcuse) criticavam o uso indistinto da tecnologia em substituição à organização política de massa. Para uma vertente da influente Escola, a tecnologia era o caminho mais curto para o totalitarismo político. Como consequência desse pensamento, não haveria solução para a humanidade sem a completa ruptura do sistema, pois qualquer forma de organização “por dentro da sociedade” significaria a cooptação pela indústria cultural.
Em mão oposta à corrente marxista de Frankfurt, o filósofo de direita estadunidense, Francis Fukuyama decretava, em 1989, o “fim da história”, prevendo a vitória do liberalismo sobre os modelos socialistas.
Como um trem doido, a história atropelou as ideias de Fukuyama e apita na curva alertando aos pessimistas de Frankfurt para saírem dos trilhos e darem lugar às novas gerações.



Eu vou
Por convicção ideológica, apoio a uma determinada causa ou apenas por modismo – motivos e motivações não faltam – o fato é que a juventude redescobriu as ruas como palco das manifestações e expressão pela liberdade
Em recente artigo à revista Carta Capital, o professor Boaventura Santos Sousa reafirma essa nova condição: “Os jovens acampados no Rossio e nas praças de Espanha são os primeiros sinais da emergência de um novo espaço público – a rua e a praça – onde se discute o sequestro das atuais democracias pelos interesses de minorias poderosas e se apontam os caminhos da construção de democracias mais robustas, mais capazes de salvaguardar os interesses das maiorias”.
Pelas redes sociais, em especial o facebook, existe uma completa programação de protestos, “já se tornaram quase uma agenda cultural da cidade”, define a estudante Luiza Tenório, 16 anos, “rata” de manifestações. Só este ano ela já participou dos protestos contra o aumento do ônibus em São Paulo, do churrascão de Higienópolis, contra o fechamento do cinema Belas Artes, no ato pela descriminalização da maconha e confirmou presença na próxima marcha pela liberdade. “Quando aparece algum convite no facebook, imediatamente marco, ‘eu vou’, diz a jovem, para quem o importante é estar antenada com os movimentos espontâneos que pipocam pela cidade de São Paulo.
Januária Rodrigues, de 18 anos, se arrependeu de ter ido na marcha da maconha com um short, acabou levando uma bala de borracha na perna. “Pegou de raspão, mas doeu pra cacete”, afirma; “agora, só vou de calça jeans”.

Quem são esses jovens?
Ao mesmo tempo em que existe uma grande quantidade de movimentos espontâneos, que surge e desaparece no dia seguinte, parcela significativa da juventude se organiza nos sindicatos, associações e partidos políticos com uma perspectiva radical de mudança da sociedade.
Nessa linha, a Central Única dos Trabalhadores de São Paulo (CUT-SP) definiu em seu último congresso pela criação do coletivo da juventude, que se transformou em Secretaria, em maio de 2009, sob coordenação da comerciária Luciana Chagas Geremias. “Atuamos junto com outras secretarias, como a de Mulheres e o coletivo de Cultura, pensando políticas específicas para a juventude”, afirma Luciana.
Para compreender melhor quem é esse jovem, suas aspirações e desejos, a Secretaria está organizando uma grande pesquisa para conhecer o perfil da juventude brasileira. “Muitos ainda não se ligam em política, pensam que é coisa de velho e se preocupam mais em terminar os estudos, trabalhar e constituir família, mas acredito que isso está mudando, tem uma galera chegando aos sindicatos e nos partidos de esquerda com garra e vontade de fazer as coisas acontecerem”.

Dia Internacional da juventude
Em 12 de agosto comemora-se o Dia Internacional da Juventude. A data foi instituída pela ONU em 1999, a partir de movimentos de jovens da igreja católica, mas com o passar do anos, os movimentos sociais deram à data caráter mais politizado e reivindicativo.
A CUT, a UNE (União Nacional dos Estudantes) e outras entidades já preparam suas comemorações. “Vamos procurar trazer shows de música, atrações culturais e debates sobre a realidade do jovem no Brasil”, avisa Luciana.
É nessa rapaziada, garotos e meninas antenados com o mundo, que o país bota fé e aposta o seu futuro.


Publicado originalmente na revista UnificadoSP

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