terça-feira, 25 de novembro de 2008

A crise da extrema esquerda

Por Emir Sader
Os resultados das eleições municipais vieram corroborar o que o cenáriopolítico nacional já permitia ver: o esgotamento do impulso da extremaesquerda, que tinha sido relançada no começo do governo Lula. A votação emtorno de 1% de dois dos seus três parlamentares, candidatos a prefeito emSão Paulo e no Rio de Janeiro, com votações significativamente menores doque as que tiveram como candidatos a deputados, sem falar na diferençacolossal em relação à candidata à presidência, apenas dois anos antes – sãoa expressão eleitoral, quantitativa, que se estendeu por praticamente todo opaís, do esgotamento prematuro de um projeto que se iniciou com uma lógicaclara, mas esbarrou cedo em limitações que o levam a um beco difícil, se nãohouver mudança de rota. A Carta aos Brasileiros, anunciando que o novo governo não iria rompernenhum compromisso – nesse caso, com o capital financeiro, para bloquear oataque especulativo, medido pelo “risco Lula” -, a nomeação de Meirellespara o Banco Central e a reforma da previdência como primeira do governo –desenharam o quadro de decepção com o governo Lula, que levaria à saída doPT de setores de esquerda. A orientação assumida pelo governo inicialmente,em que a presença hegemônica de Palocci fazia primar os elementos decontinuidade com o governo FHC sobre os de mudança – estes recluídosbasicamente na política externa diferenciada e em setores localizados – e areiteração de um governo estritamente neoliberal davam uma imagem de umgoverno que era considerado pelos que abandonavam o PT, comoirreversivelmente perdido para a esquerda. O dilema para a esquerda era seguir a luta por um governo anti-neoliberaldentro do PT e do governo ou sair para reagrupar forças e projetar aformação de uma nova agrupação. Naquele momento se cogitou a constituição deum núcleo socialista, dos que permaneciam e dos que saíam do PT, paradiscutir amplamente os rumos a tomar. Não apenas cabia uma força à esquerdado PT, como se poderia prever que ela seria engrossada por setores amplos,caso a orientação inicial do governo se mantivesse. Dois fatores vieram a alterar esse quadro. O primeiro, a precipitação nafundação de um novo partido – o Psol -, com o primeiro grupo que saiu do PT– em particular a tendência morenista – passando a controlar as estruturasda nova agremiação. Isto não apenas estreitou organizativamente o novopartido, como o levou a posições de ultra-esquerda, responsáveis pelo seuisolamento e sectarização. A candidatura presidencial nas eleições de 2006agregou um outro elemento ao sectarismo, que já levaria a uma posição deeqüidistância em relação ao governo Lula. O raciocínio predominante foi o deque o governo era o melhor administrador do neoliberalismo, porque além demantê-lo e consolidá-lo, o fazia dividindo e confundindo a esquerda,neutralizando a amplos setores do movimento de massas. Portanto deveria serderrotado e destruído, para que uma verdadeira esquerda pudesse surgir. Ogoverno Lula e o PT passaram a ser os inimigos fundamentais da novaagrupação. Esse elemento favoreceu a aliança – já desenhada no Parlamento, masconsolidada na campanha eleitoral – com a direita – tanto com o blocotucano-pefelista, como com a mídia oligárquica -, na oposição ao governo e àreeleição de Lula. A projeção midiática benevolente da imagem da candidatado Psol lhe permitia ter mais votos do que os do seu partido, mascomprometia a imagem do partido com uma campanha despolitizada eoportunista, em que a caracterização do governo Lula não se diferenciavadaquela feita na campanha do “mensalão”. Como se poderia esperar, apesar dealgumas resistências, a posição no segundo turno foi a do voto nulo, isto é,daria igual para o novo partido a vitória do neoliberal duro e puro Alckminou de Lula. (Se tornava linha nacional oficial o que já se havia dado nasprimeiras eleições em que o Psol participou, as municipais, em que, porexemplo, em Porto Alegre, diante de Raul Pont e Fogaça, no segundo turno, seafirmou que se tratava da nova direita contra a velha direita e se decidiupelo voto nulo.) Uma combinação entre sectarismo e oportunismo foi responsável pelocomprometimento da orientação política do novo partido, que o levou a perdera possibilidade de formação de um partido à esquerda do PT, que se aliasse aeste nos pontos comuns e lutasse contra nos temas de divergência. Osectarismo levou a que sindicatos saíssem da CUT, sem conseguir se agruparcom outros, enfraquecendo a esquerda da CUT e se dispersando no isolamento.Levou a que os parlamentares do Psol votassem contra o governo em tudo – atémesmo na CPMF – e não apoiassem as políticas corretas do governo – como apolítica internacional, entre outras. Esta se dá porque o governo brasileirotem estreita política de alianças com as principais lideranças de esquerdano continente – como as de Cuba, Venezuela, Equador, Bolívia -, que apóiam ogoverno Lula, o que desloca completamente posições de ultra-esquerda – quese reproduzem de forma similar a dessa corrente no Brasil nesses países -,deixando de atuar numa dimensão fundamental para a esquerda – a integraçãocontinental. Por outro, o governo Lula passou a outra etapa, com a saída de vários deseus ministros, principalmente Palocci, conseguindo retomar um cicloexpansivo da economia e desenvolvendo efetivas políticas de distribuição derenda, ao mesmo tempo que recolocava o tema do desenvolvimento como central– deslocando o da estabilidade, central para o governo FHC -, avançando narecomposição do aparelho do Estado, melhorando substancialmente o nível doemprego formal, diminuindo o desemprego, entre outros aspetos. A caracterização do governo Lula como expressão consolidada doneoliberalismo, um governo cada vez mais afundado no neoliberalismo –reedição de FHC, de Menem, de Carlos Andrés Perez, de Fujimori, de Sanchezde Losada – se chocava com a realidade. Economistas da extrema esquerda continuaram brigando com a realidade,anunciando catástrofes iminentes, capitulações de toda ordem, tentandoresgatar sua equivocada previsão sobre os destinos irreversíveis do governo,tentando reduzir o governo Lula a uma simples continuação do governo FHC,reduzindo as políticas sociais a “assistencialismo”, mas foramsistematicamente desmentidos pela realidade, que levou ao isolamento totaldos que pregam essas posições desencontradas com a realidade. O isolamento dessas posições se refletiu no resultado eleitoral, em quetodas as correntes de ultra-esquerda ficaram relegadas à intranscendênciapolítica, revelando como estão afastadas da realidade, do sentimento geraldo povo, dos problemas que enfrenta o Brasil e a América Latina. Aspolíticas sociais respondem em grande parte pelos 80% de apoio dogoverno,rejeitado por apenas 8%. Para a direita basta a afirmação do“asisistencialismo” do governo e da desqualificação do povo, que se deixariacorromper por “alguns centavos”, mas a esquerda não pode comprá-la, porreacionária e discriminatória contra os pobres. Confirmação desse isolamento e de perda de sensibilidade e contato com arealidade é que não se vê nenhum tipo de balanço autocrítico, sequerconstatação de derrota da parte da extrema esquerda. Se afirma que sefizeram boas campanhas, não importando os resultados, como se se tratassemde pastores religiosos que pregam no deserto, com a consciência de querepresentam uma palavra divina, que ainda não foi compreendida pelo povo.(Marx dizia que a pequena burguesia sofre derrotas acachapantes, mas não seautocrítica, não coloca em questão sua orientação, acredita apenas que opovo ainda não está maduro para sua posições, definidas essencialmente comocorretas, porque corresponderiam a textos sagrados da teoria.) Não fazer um balanço das derrotas, não se dar conta do isolamento em que seencontram, da aliança tácita com a direita e das transformações do governoLula – junto com as da própria realidade econômica e social do país –, daconstatação do caráter contraditório do governo Lula, que não deveria ser seinimigo fundamental revelariam a perda de sensibilidade política, o quepoderia significar um caminho sem volta para a extrema esquerda. Seria umapena, porque a esquerda brasileira precisa de uma força mais radical, que sealie ao PT nas coincidências e lute nas divergências, compondo um quadromais amplo e representativo, combinando aliança a autonomia, que faria bem àesquerda e ao Brasil.

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