segunda-feira, 3 de março de 2008

Alguns sindicatos ainda não entendem a importância do projeto CUTMulti, diz Kjeld






Confira a entrevista publicada na revista CUTMulti, da
Secretaria de Relações Internacionais da CUT
O Observatório Social é uma organização surgida a partir da CUT Brasil, com a cooperação do Cedec (Centro de Estudos de Cultura Contemporânea), Dieese (Departamento Intersindical de Estudos Sócio-Econômicos) e Unitrabalho (Rede Inter-Universitária de Estudos e Pesquisas sobre o Trabalho), cujo objetivo é analisar e pesquisar o comportamento de empresas multinacionais, nacionais e estatais em relação aos direitos dos trabalhadores com base nas convenções da OIT (Organização Internacional do Trabalho). A proposta da criação do Observatório Social data de 1997, período em Kjeld (lê-se “quéldi”) Jackobsen era secretário de Relações Internacionais da CUT. Durante dez anos, esse sindicalista de nome complicado e fala serena esteve à frente do instituto e foi um dos idealizadores do projeto CUTMulti. Nesta conversa com o jornalista Norian Segatto, ele explica as origens do Projeto e os desafios enfrentados na sua construção.

Como surgiu o projeto CUTMulti?
Kjeld – Fui secretário de Relações Internacionais da CUT de 1994 a janeiro de 2003, além de ter ocupado outras funções na Central no mandato anterior e mesmo durante esses noves anos que passei à frente da Secretaria. O Observatório começou a entrar em funcionamento em 1997, estamos completando dez anos de existência agora em 2007. O papel do Observatório é pesquisar o comportamento de empresas, principalmente as maiores multinacionais, em relação às convenções e normas da OIT sobre mercado de trabalho, negociação coletiva, trabalho infantil e escravo e tudo o que diz respeito ao mundo do trabalho. Desde o final de 1997 produzimos relatórios sobre tais temas a partir desse leque de empresas. As primeiras a serem analisadas foram a Sadia, depois a Cica, que não existe mais, foi adquirida pela Unilever, a Kibon, que posteriormente também foi incorporada a Unilever, a Philips e várias outras cujas sedes se encontram em diferentes países. Com essas pesquisas começamos a perceber que levantávamos uma série de informações muito úteis, mas em alguns casos os sindicatos não conseguiam utilizar adequadamente essas informações, fosse para organizar os trabalhadores ou para negociar com os empresários.

Você pode citar um exemplo?
Um caso típico é a Unilever. É uma empresa multinacional que não construiu nenhuma fábrica no Brasil, simplesmente comprou outras, o que, aliás, é uma postura típica dessa empresa. Ela adquiriu a Cica, a Kibon, a Arisco, a Refinadora de Milho Brasil, que fabrica a Maisena, além da Gessy Lever, ou seja, teve forte movimentação na área de alimentação. E o que acontecia: vinha aquela estrutura sindical que temos, que é por categoria e, de repente, um grupo de sindicatos que nunca tinha conversado entre si ou atuado conjuntamente representava os trabalhadores de uma mesma empresa. Verificamos logo nos primeiros anos de trabalho do Observatório que o resultado era mais eficaz quando conseguíamos articular as informações das empresas multinacionais instaladas no Brasil com os sindicatos do país da matriz dessas empresas. Isso gerava um potencial muito grande em termos de motivação, de negociação e solução de problemas. No entanto, para fazer isso tínhamos de estar organizados.
No caso da Unilever não tínhamos nem coordenação entre nós mesmos, quanto menos lá fora. Como estávamos convivendo com muitas empresas holandesas surgiu a idéia de solicitar apoio para a FNV Mondiaal [central sindical holandesa] para a criação de um projeto que privilegiasse a organização em rede de sindicatos aqui no Brasil. Umas das primeiras a surgir foi a Unilever, depois veio a rede Philips e várias outras foram surgindo.
Em alguns casos há dificuldade, é claro, em função da dinâmica sindical brasileira, por exemplo, os processos eleitorais dos sindicatos mudam a diretoria, essa diretoria eventualmente não fica muito a par do que está sendo feito e não estimula a continuidade do trabalho; são questões que temos de enfrentar.

O Projeto atendeu às expectativas?
Eu creio que sim. A parceria com a FNV era para durar apenas dois anos e, a partir de então, a proposta era de que as redes pudessem caminhar com as suas próprias pernas, mas o resultado foi tão positivo que a central holandesa propôs manter o projeto. Fez-se uma segunda etapa, que terminou no primeiro semestre de 2007, e foi aprovada uma terceira fase com duração de mais três anos.
Algumas redes se desenvolveram mais rapidamente e melhor do que outras por diversos motivos, em alguns casos houve incompreensão do movimento sindical em relação à importância estratégica das redes. Outras, nunca precisaram do apoio do projeto para se organizar, e algumas se constituíram antes do CUTMulti, como é o caso das redes dos trabalhadores da Volkswagen e da Basf.

E que papel o Observatório Social desenvolveu nesse tempo?
O Observatório levantava as informações sobre as empresas propostas pelos ramos, e tais dados serviam de subsídio para melhorar a capacidade de negociação com a empresa e a articulação internacional desenvolvida, principalmente, pela CUT. De posse de estatísticas, estudos, análises e comparações internacionais, os dirigentes têm mais argumentos na hora de negociar e propor soluções para conflitos do mundo do trabalho.

Os sindicatos aceitaram bem a proposta da criação de redes?
Infelizmente, ainda existem algumas direções sindicais que têm dificuldade de superar o corporativismo do seu local de trabalho, da sua empresa ou sua cidade; têm dificuldade de se articular em nível nacional. Porém, creio que a maioria já compreende as funções do sindicato que atua em empresas multinacionais: ou essas entidades ampliam a sua articulação, a sua representação e intervenção, ou estarão fadadas a desaparecer em curto prazo porque vão perder totalmente a capacidade de nego- ciar qualquer coisa com essas empresas. A tendência é os acordos serem cada vez mais nacionalizados e globalizados.

Você não está mais na presidência do Observatório, mas projetos como o CUTMulti continuam...Sim, uma coisa não tem nada a ver com a outra. Quando o projeto CUTMulti surgiu eu era, ao mesmo tempo, secretário de Relações Internacionais da CUT e presidente do Observatório, isso até facilitou o trabalho. O Observatório levanta as informações, não negocia, não mobiliza, a expectativa é que os sindicatos, com o apoio do Projeto, possam promover as mobilizações necessárias e as negociações conseqüentes.

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